Esse extenso corredor de biodiversidade ao largo das costas da Argentina, Chile, Uruguai e Brasil abriga uma das maiores riquezas biológicas da região. No entanto, a pressão humana é cada vez mais evidente. A poluição plástica, a pesca excessiva, o tráfego marítimo e as mudanças climáticas estão deixando sua marca em espécies que desempenham papéis ecológicos importantes, alertam os especialistas do Fórum.
A tecnologia como uma janela imersiva para o Mar Patagônico
Como parte dessa campanha, o Fórum convida o público a interagir com um filtro de realidade aumentada disponível nas redes sociais, o que lhes permite experimentar em primeira mão os contrastes entre um oceano degradado pela ação humana e um saudável, repleto de vida.
Projetado para fins educacionais e de conscientização, o filtro propõe que os usuários “limpem” uma paisagem subaquática repleta de detritos para revelar um ecossistema vibrante, onde emergem quatro espécies emblemáticas do Mar Patagônico: a Tartaruga Verde, o Pinguim de Magalhães, a Baleia Franca Austral e o Elefante Marinho do Sul.
Cada uma dessas espécies desempenha funções ecológicas importantes e está atualmente ameaçada por várias atividades humanas. Por meio dessa ferramenta, as pessoas podem aprender sobre o conhecimento científico, o valor da biodiversidade e o senso de urgência necessário para sua proteção.
A experiência não apenas atrai a curiosidade, mas também a empatia: ao interagir com os elementos do filtro, o público pode visualizar em primeira mão os impactos da poluição e refletir sobre nosso papel em revertê-los. Ative o filtro agora e mergulhe na experiência de #MásVidaEnElMar (#MaisVidaNoMar).
Vida marinha, tesouros a serem conservados
Uma das espécies mais afetadas é a Tartaruga Verde (Chelonia mydas), uma visitante regular das águas patagônicas, que confunde resíduos plásticos com alimentos.
Alejandro Fallabrino, Diretor Executivo da Karumbé no Uruguai, ressalta que “nas áreas onde elas fazem seus ninhos, a matança de ovos para consumo é um dos problemas mais preocupantes, enquanto no Uruguai, onde há apenas tartarugas verdes juvenis que vêm se alimentar, as ameaças mais importantes são as capturas acessórias em equipamentos de pesca e, mais recentemente, desde 2001, começaram a ser encontrados vestígios de plástico nessa espécie (…) Em 2011, houve uma tragédia em que mais de 300 tartarugas foram mortas por causa do plástico”.
O Pinguim de Magalhães (Spheniscus magellanicus), ave emblemática do Mar Patagônico, também é afetado pela poluição plástica. Maria Carolina Contato Weigert, diretora do Núcleo de Educação e Monitoramento Ambiental (NEMA) no Brasil, ressalta que muitos indivíduos que chegam à costa brasileira no inverno “geralmente estão doentes por ingerir resíduos ou enfraquecidos pelo contato com outros poluentes”.
Sobre as ameaças que afetam a Baleia Franca Austral (Eubalaena australis), um símbolo de resiliência após séculos de caça comercial de baleias, o Dr. Mariano Sironi, Diretor Científico do Instituto de Conservación de Ballenas (ICB), ressalta: “a baleia franca austral enfrenta hoje novas e diversas ameaças, algumas globais, como a mudança climática ou a redução de sua principal fonte de alimento devido à concorrência com a indústria pesqueira de krill, também colisões com navios e emaranhamento com redes de pesca e cordas (…), e no caso da população da Península Valdés, ataques de gaivotas que se alimentam da pele e da gordura de baleias vivas e a atividade petrolífera, atualmente podem afetar um habitat crítico em sua área de reprodução”.
O Elefante Marinho Austral ou do Sul (Mirounga leonina), de acordo com a Dra. Catherine Dougnac, Subdiretora Científica da WCS Chile “(…) é afetado por diferentes ameaças, tanto quando está no mar quanto quando está na costa (…) Ele vai para a costa durante
seu período reprodutivo e lá também enfrenta alguns riscos, como o turismo irresponsável, que gera muita pressão sobre ele em um momento particularmente sensível”. Da mesma forma, sobre como a poluição plástica afeta essa espécie, ela ressalta que a poluição, tanto a gerada em terra quanto a gerada no mar, “os afeta muito,
especialmente os resíduos plásticos, que são encontrados em diferentes costas do Mar Patagônico”.
Por outro lado, na temporada de reprodução de 2023, o vírus H5N1 da gripe aviária altamente patogênica matou 97% dos filhotes de elefantes marinhos do sul (cerca de 17.000 indivíduos) e um número incerto de elefantes marinhos adultos reprodutores na costa de Chubut. De acordo com Julieta Campagna, coordenadora de conservação da paisagem de Valdés da WCS Argentina, “esse foi o primeiro registro de mortalidade em massa de elefantes marinhos do sul para esse agrupamento, o único agrupamento continental da espécie, além de representar o primeiro registro global de mortalidade em massa de elefantes marinhos devido à gripe aviária (…) Pode levar 100 anos até que o agrupamento de elefantes marinhos da Península Valdés retorne a 18.000 fêmeasreprodutivas, como em 2022”. Nesse sentido, Campagna enfatiza a importância do monitoramento regular para evitar novos ressurgimentos, o trabalho conjunto com as autoridades provinciais e os usuários das praias, e destaca que “o zoneamento da pesca esportiva e dos veículos off-road contribuiria de forma diferenciada para evitar a mortalidade de filhotes durante os meses de agosto a novembro”. Todo animal conta, e hoje mais do que nunca". Finalmente, ela destaca a recente “aprovação da lei para a proteção dos elefantes marinhos em toda a província de Chubut, que visa contribuir para o seu cuidado, especialmente nas praias onde os animais estão expostos à perturbação humana”.
Há mais de 20 anos, as organizações que compõem o Fórum para a Conservação do Mar Patagônico vêm trabalhando juntas para enfrentar essas ameaças por meio de estratégias concretas e colaborativas. Entre suas principais linhas de ação estão a promoção e o fortalecimento de Áreas Marinhas Protegidas sob um enfoque de gestão adaptativa; a promoção de políticas públicas e iniciativas de educação ambiental para reduzir a poluição por plásticos, especialmente a proveniente da pesca; a capacitação de gestores marinhos comprometidos com a conservação, por meio da Escola de Gestores de Áreas Marinhas Protegidas, que busca fortalecer as capacidades daqueles que implementam estratégias-chave em locais de alta importância ecológica; entre outras ações que buscam mitigar as ameaças que fragmentam e degradam a resiliência do Mar Patagônico e suas áreas de influência. Essas ações visam não apenas proteger espécies emblemáticas, mas também garantir a saúde e a resiliência do ecossistema marinho como um todo. Diante de um cenário de crescente pressão sobre o oceano, o Fórum propõe avançar em direção a soluções coletivas, baseadas em evidências científicas e no trabalho conjunto entre organizações, comunidades costeiras e tomadores de decisão.
Um chamado para olhar além da superfície
Diante do avanço das ameaças, olhar para o mar com outros olhos significa reconhecer que seu destino está entrelaçado com o nosso. As transformações que vivenciamos em terra firme também ocorrem nas profundezas do oceano. Por esse motivo, a construção de uma cidadania comprometida com o seu cuidado requer aproximar a ciência das pessoas, tornando visível o que está em risco e gerando experiências que mobilizem.
A conservação do Mar Patagônico não é uma tarefa exclusiva de cientistas ou governos: é uma responsabilidade compartilhada que começa com o conhecimento, a compreensão e a ação. Em um momento em que o oceano parece distante, estamos comprometidos com novas formas de conexão que aumentam a conscientização e mantêm viva a possibilidade de um futuro com mares saudáveis, diversificados e cheios de vida.